Não fui dos que acorreu a queimar na fogueira a senhora Jonet quando esta decidiu falar de bifes, copos de lavar os dentes, concertos de rock e radiografias. Achei o discurso algo apatetado mas, para ser sincero, não ouvi nada que pudesse justificar a verdadeira intifada que se iniciou contra a senhora. Tudo espremido, na minha modesta opinião, até tinha algum sumo de verdade. Acho mesmo que durante muito tempo nos habituámos todos enquanto país, a viver acima das nossas possibilidades.
Todavia, não posso concordar com a resposta que a senhora Jonet deu ontem ao jornal Correio da Manhã quando lhe foi pedida uma análise aos muitos "casos de crianças que chegam à escola com fome". Disse: " É inexplicável. Deve-se, em parte, à não responsabilização e falta de tempo dos pais. Sem o pequeno almoço, os alunos não podem ter rendimento escolar (...)"
Pois, sem usar a cabeça também não vale a pena abrir a boca e responder seja ao que for. Normalmente corre mal. E quer-me parecer que, apesar das muitas virtudes da senhora Jonet, é um caso de subnutrição ao nível comunicacional. Concedo-lhe o facto de existirem, certamente, casos como os que aponta. Há gente para tudo. Mas generalizar, apontando a irresponsabilidade dos pais pela fome que os filhos sentem é, no mínimo, indecoroso. Pais que 'não têm tempo' para alimentar os filhos dificilmente pode ser considerados pais. Progenitores, talvez.
O que sentirão os PAIS (aqueles que dariam a vida para que os filhos tivessem sempre o que comer) ao lerem uma coisa deste género? Será que a senhora Jonet não consegue levantar voo do 'poleiro' e ver a floresta? No meio de tantas toneladas de arroz, massa e enlatados, não consegue perceber que preside uma instituição que luta contra a fome precisamente porque a fome e miséria são uma triste realidade? Não andamos aqui todos a ajudar os donos dos hipermercados, certo? Há crianças com fome, ou não?
Segundo li, a recolha do Banco Alimentar foi um "sucesso extraordinário". Óptimo, fico feliz por ter corrido bem e espero que sempre assim seja (e sempre com o meu contributo, com ou sem declarações infelizes). Mas devo confessar que para mim "um sucesso extraordinário" seria, num país dito desenvolvido, não ser necessário a tantos portugueses dependerem da existência de uma recolha de alimentos para sobreviver.O êxito desta campanha é um sinal claro de fracasso da nossa sociedade.
PS: E se o Estado entregasse ao Banco Alimentar a totalidade do valor do IVA cobrado sobre os produtos que compramos para ajudar nesta recolha, não seria interessante? De quantos milhões estariamos a falar? E se os proprietários dos hipermercados doassem ao Banco Alimentar parte dos lucros obtidos na venda destes produtos? Fica a sugestão.
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