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As Coisas da Cultura

Porque há sempre muito para ver e para contar

Porque há sempre muito para ver e para contar

As Coisas da Cultura

26
Abr17

Prémio Literário Joaquim Mestre

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Prémio Literário Joaquim Mestre

A apresentação oficial do regulamento deste prémio vai ter lugar na Biblioteca Municipal de Beja José Saramago hoje às 18h30.
 
 
 

No âmbito das comemorações do Dia Mundial do Livro, que se celebra a 23 de Abril, a ASSESTA – Associação de Escritores do Alentejo e a Direcção Regional de Cultura do Alentejo divulgam o Regulamento da primeira edição do Prémio Literário Joaquim Mestre, que estará disponível a todos os interessados nos sites oficiais: www.cultura-alentejo.pt e www.assesta.pt e na Biblioteca Municipal de Beja José Saramago.

Este Prémio é instituído pela ASSESTA com o objetivo de promover, defender e valorizar a Língua Portuguesa e a Identidade e Diversidade cultural da Região Alentejo, suas tradições, incentivar a Criação Literária nas modalidades de conto e romance, o gosto pela Leitura e pela Escrita e, simultaneamente, homenagear o romancista e contista alentejano Joaquim Mestre.

Este prémio é organizado em parceria com a Direção Regional de Cultura do Alentejo, que irá assegurar o montante financeiro atribuído ao vencedor, tendo sido assinado no final de 2016 o respectivo protocolo de colaboração, contando também com o apoio do Município de Beja.

A apresentação oficial do regulamento deste prémio vai ter lugar na Biblioteca Municipal de Beja José Saramago no dia 21 de abril às 18h30. 

08
Mar17

ACERT XL na Fundação José Saramago - Apresentação do Livro dos 40 anos da ACERT

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ACERT XL
O fio, a trama e a urdidura

João Luís Oliva

 

A Acert, a Editora Afrontamento, a Fundação José Saramago e o autor João Luís Oliva vêm convidar para a apresentação do livro ACERT XL - o fio, a trama e a urdidura. A sessão ocorrerá no dia 10 de Março, pelas 18:30, na Fundação José Saramago (casa dos Bicos - Rua dos Bacalhoeiros 17).

 

A apresentação será feita por Dr. Rui Vieira Nery.

 

Um livro com a chancela das Edições Afrontamento em que, como o autor refere na introdução, «se assinalam 40 anos do percurso da ACERT e da companhia de teatro, inicialmente grupo amador, que lhe deu origem — o Trigo Limpo —, afinal peças do grande tear em que se vai fabricando o colorido pano de fundo de um palco em que todos actuamos, vivendo. Mas também onde se regista e comenta o papel e significado da sua interacção com a teia cultural e social (sempre também política) que envolve espaços e tempos em que se manifesta: o local e o universal, o ontem e o hoje.»
Esta apresentação conta com a honrosa parceria da Fundação José Saramago.

16
Dez14

A vida dos emigrantes portugueses na Argentina deu um livro

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A vida dos emigrantes portugueses na Argentina deu um livro

 

 

A vida dos emigrantes portugueses na Argentina deu um livro

PATRÍCIA CARVALHO

Algarvios, muitos, minhotos e serranos cons-truíram, na primeira metade do século XX, uma nova vida num país que estava, também ele, a ser ainda construído. De Buenos Aires à Patagónia. Em Portugal Querido, podemos ler histórias como a de Yudith, que atravessou o oceano sem saber como era o pai que a esperava no outro lado do Atlântico.

 

Vivíamos em São Brás de Alportel… e o meu pai levava-me a passear todos os dias quando chegava do trabalho. Eu era a filha mais velha de três irmãos e de um ainda por nascer… De um dia para o outro, deixei de ver o meu pai e com quatro anos — e ele apenas com 23 — não podia entender o que tinha acontecido, nem para onde tinha ido. Ao ficarmos sozinhos, fomos viver para o campo, no sítio Dos Machados, com a minha mãe Gertrudes, grávida de oito meses. Ela teve de ir trabalhar, pelo que eu e os meus irmãos ficávamos sozinhos, quase todo o dia. Começaram a chegar as primeiras cartas. O meu pai pedia que o filho, se fosse varão, se chamasse Abel. Os dias passavam e eu só via cartas. Numa delas, ele dizia: ‘Yudith, neste momento, olhando as estrelas, vejo nelas o brilho dos teus olhos’, palavras que me ficaram gravadas na memória, apesar da minha tenra idade.”

Yudith Rosa Viegas recorda, assim, a partida do pai para a Argentina, em 1926. O reencontro só aconteceria “13 longos anos” mais tarde, quando, em vésperas do início da II Guerra Mundial, embarcou com a mãe e os dois irmãos (o bebé mais novo, uma menina que não pôde chamar-se Abel, morreu com apenas oito meses) “num barco inglês” a caminho de Buenos Aires.

O livro foi uma empreitada familiar DR

O destino desta família algarvia e de muitas outras famílias portuguesas foi recolhido por Mário dos Santos Lopes, jornalista e professor, também ele filho de algarvios que emigraram para a Argentina, e que lançou, naquele país, o livro Portugal Querido. A edição de autor, de cinco mil exemplares, já está a ser revista e ampliada, com novas histórias de uma emigração muito particular.

Mário dos Santos Lopes, 55 anos, recusa arcar sozinho com a responsabilidade do livro. Até porque, explica à Revista 2, quem insistiu para que ele avançasse com o projecto foi o irmão, Victor, que abriu uma pousada portuguesa, a Pousada São Brás, em Córdoba. “Estava de férias em Villa General Belgrano, Córdoba, e, durante uma conversa, o meu irmão Victor disse que gostaria de publicar um livro em homenagem aos imigrantes. Disse-lhe que sim, que o faria, mas na realidade não sabia como nem em quanto tempo. Nessa mesma noite, comecei a procurar contactos de luso-descendentes no Facebook e na Internet, sem saber onde chegaríamos. A ideia original era termos um livro de cem páginas, algo muito pequeno”, explica, através de email, o jornalista que vive em Puerto Deseado, Santa Cruz, na Patagónia argentina.

A tarefa assemelhou-se “às obras de Santa Engrácia”, lê-se na introdução de Portugal Querido, e só ficaria pronta ao fim de cinco anos de busca e escrita, tornando-se uma verdadeira empreitada familiar. Victor foi “o criador e impulsionador da ideia”, Andrea, a irmã mais nova, “traduziu, corrigiu e deu bons conselhos”. Juan Benjamín Lopes, filho de Mário, “desgravou os áudios”. Pablo Molina e Ana Laura Lopes, genro e filha, “puseram o coração e o profissionalismo na artística capa do livro”. O resultado foi uma obra de 254 páginas com muitas histórias de emigrantes, algumas referências históricas da passagem portuguesa pela Argentina, umas curtas histórias e participações de emigrantes lusos noutros países, vários textos sobre os clubes e associações dedicadas à cultura nacional e relatos de cantoras argentinas que se apaixonaram pelo fado. O fio condutor do livro é, contudo, a compilação das memórias das famílias que, deixando Portugal, encontraram um novo lar na Argentina.

As docas de Buenos Aires em Outubro de 1921 — a emigração portuguesa ajudou na construção do país KEYSTONE VIEW CO/NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY/CORBIS

Yudith e a família saíram de Lisboa 16 de Agosto de 1939. Quando terminou a travessia de 18 dias, rebentava a guerra na Europa. Do outro lado do Atlântico, estava o pai. “Eu tinha 17 anos e encontrei-me com um pai de apenas 36, que quase já não conhecia.”

Dois anos antes de o pai de Yudith deixar São Brás de Alportel, o avô de Lídia Dias Sancho empreendia a mesma viagem. Em 1924, “já casado e com uma filha”, Francisco Viegas Valaga, deixava a terra e a família para trás e rumava à Argentina. “Esteve por aqui, andou pelo Brasil, Uruguai e ao fim de alguns anos regressou a Portugal. Voltou à Argentina, deixando a minha avó grávida da minha mãe”, conta a neta em Portugal Querido.

Francisco haveria de regressar a São Brás de Alportel, engravidando de novo a mulher, e passariam muitos anos antes que ele enviasse a carta de chamada para a família. Por essa altura, a filha mais velha já estava casada, a do meio (mãe de Lídia) e a mais nova estavam noivas. “[Só] A minha mãe, que era muito chegada à minha avó, veio com ela. Vieram de barco num mês de Junho dos anos 50, sem conhecer ninguém, nem sequer o meu avô. A minha mãe só o vira em pequena e a minha avó dizia que não imaginava como poderia estar. Chegaram a Buenos Aires e pensaram que ele estaria lá, mas esperava-as um senhor português que tinha uma agência de viagens e se encarregava de receber os imigrantes. Partiram para o Sul num autocarro. Convido-os a imaginar o tempo nesta época do ano, no Sul: frio, gelo, vento, etc… Ao fim de três dias, chegaram a Comodoro Rivadavia, de noite, e novamente sem conhecer ninguém. Ali estava o avô Francisco, esperando-as. Levou-as para uma casa que tinha alugado no quilómetro 8, que se chama Restinga. Era de noite e não conseguiram ver nada. No dia seguinte, a minha mãe levantou-se, foi à janela e, quando viu onde estava, queria morrer. Era horrível, chorou muito. A minha avó não se levantou durante três dias e desde essa altura foi sempre uma mulher doente.”

A família acabava de se instalar na Patagónia, uma das regiões do país que receberam muitos algarvios, nas primeiras décadas do século XX e também durante os anos 1950. Patagónia, Buenos Aires e a região agrícola e de criação de gado à volta da capital argentina são, aliás, os três grandes pontos de fixação de portugueses, como refere o investigador Marcelo Borges (também ele um argentino filho de portugueses), no artigo “Portuguese Migration in Argentina: Transatlantic Networks and Local Experiences”, publicado em 2006, na revista académica Portuguese Studies Review, editada pela Trent University (Canadá). Além de vários artigos sobre a emigração portuguesa para a Argentina, o professor de História da Universidade de Dickinson, na Pensilvânia (EUA), que trabalha esta área há cerca de 20 anos, também escreveu um livro sobre o tema, Chains of Gold. “É pena que o livro Chains of Gold ainda não tenha sido traduzido para o português (e o espanhol!), mas não perco as esperanças”, disse, por email, à Revista 2.

A prospecção de petróleo em Comodoro Rivadavia, Patagónia, atraiu muitos imigrantes NIGEL HICKS/CORBIS

A emigração para a Argentina que Marcelo Borges descobriu ao longo dos anos de estudo mostra um fluxo de pessoas oriundas de espaços muito localizados, que partem para os mesmos sítios onde já estão os pais, tios ou primos, pelo que a fixação dos portugueses acaba também por ficar concentrada em locais muito específicos. O Algarve, zona em que as migrações temporárias para destinos como Marrocos ou o Sul de Espanha já eram um hábito enraizado nos habitantes, torna-se, no início do século XX, um dos principais fornecedores de emigrantes para a Argentina. Em Chains of Gold, o investigador explica: “Os algarvios começaram a participar nas migrações através do Atlântico mais tarde do que os migrantes do norte de Portugal [...] e com características distintas destes. Desde o final do século XIX até aos anos de 1950, enquanto o resto dos Portugueses emigrava sobretudo para o Brasil, a maior parte dos algarvios escolhia a Argentina”, escreve. Porquê? Um dos factores destacados por Marcelo Borges é a rede de informação “muito detalhada” que existia no Algarve sobre as possibilidades de trabalho “nas Américas”. “Havia uma visão em geral optimista sobre a Argentina como um país de imigração e mercado de trabalho entre os migrantes algarvios e uma imagem não tão positiva dos outros destinos. Nos jornais algarvios, podia-se encontrar, com regularidade, relatórios sobre a sólida situação económica da Argentina, as suas colheitas que batiam recordes, o crescimento das suas cidades, e notícias sobre as actividades da comunidade Portuguesa, na qual os algarvios tinham preponderância. Por outro lado, as notícias do Brasil falavam, geralmente, da falta de trabalho, das condições difíceis e do desapontamento dos migrantes que para lá se aventuravam.”

O investigador, que está, actualmente, envolvido num projecto relacionado com a recolha e análise das cartas de chamada destes emigrantes, distingue duas grandes fases da partida portuguesa para a Argentina — a primeira estendendo-se do século XVII até meados do século XIX e a segunda “coincidente com as migrações em massa do final do século XIX e o início do século XX”. É nesta emigração, que atingiu “o seu ponto mais alto durante as décadas de 10 e 20”, que se encontram muitos dos casos recolhidos e relatados por Mário dos Santos Lopes. Como a história que conta Fernando Rocca.

“A minha avó chamava-se Generosa Madeira. Nasceu no Algarve, em São Brás de Alportel, em 1910. Dos três irmãos (Maria e José Manuel), era a do meio. A sua mãe morreu de febre amarela quando ela tinha oito anos e os três irmãos ficaram ao cuidado do pai, que pouco depois veio para a Argentina e de quem não souberam mais nada durante muito, muito tempo”, relata, em Portugal Querido, Fernando Rocca.

Entregues aos cuidados de uma tia “surda e desconfiada”, os três irmãos crescem sem pais. Maria casa-se, tem uma filha e decide partir com o marido para a Argentina. Fernando conta que ainda guarda a última foto que os três irmãos tiraram em Portugal, antes da partida. “A expressão de pena da minha avó é notável; não era uma mulher teatral e não tinha filtros, nem para rir, nem para chorar”, descreve. Na Argentina, o marido de Maria torna-se amigo de um português, a quem ela confessa ter deixado uma irmã em Portugal. “O meu avô veste um fato meio sem jeito, tira uma fotografia e envia-a, jurando amor. Generosa, sem mais exigências, embarca com o seu irmão mais novo, apresenta-se a este senhor Manuel de Brito e encara a vida com ele. Lava roupa para os companheiros de trabalho do meu avô na refinaria de Restinga.”

As histórias de famílias oriundas do Algarve repetem-se ao longo do livro, sustentando, empiricamente, o que Marcelo Borges escrevera no artigo da Portuguese Studies Review: “Os migrantes algarvios permaneceram o maior grupo entre os portugueses na Argentina do final do século XIX até ao declínio da segunda fase da migração portuguesa no final dos anos 50, seguidos dos migrantes do interior norte, do distrito da Guarda, na região da Beira Alta.” Pequenas bolsas de oriundos de Leiria e do Minho juntaram-se, também, a estes grupos maiores.

No Algarve, além da informação detalhada que já foi referida, instalaram-se verdadeiras “redes” que facilitavam a emigração para a Argentina e que contavam com angariadores de trabalhadores, agências com informação muito precisa sobre o tipo de trabalho que era preciso em determinada região, em determinada altura (e que também informavam os algarvios de que, por exemplo, “os pescadores não eram bem vistos pelas autoridades brasileiras”, afastando-os deste destino, nos finais dos anos 20), e o nada negligenciável factor familiar. As experiências anteriores de familiares ou amigos da terra que tinham partido alguns anos antes tiveram também grande influência na escolha daqueles que partiriam mais tarde. Marcelo Borges fala mesmo de uma “migração com padrões microrregionais”, que lhe permite dizer, por exemplo, “a maioria dos migrantes da paróquia de São Brás de Alportel partiu para Buenos Aires e mais tarde para a cidade de Comodoro Rivadavia, na Patagónia [...]. A distribuição das migrações por destino a um nível de paróquia mostra a importância das redes sociais na formação destes fluxos. As redes assentavam na cooperação de membros da família e de amigos da aldeia, e eram influenciadas por outros factores, como as actividades a que se dedicavam”, explica em Chains of Gold.

Tudo isto fez com que, “longe de se espalharem pelo país, a maioria dos migrantes portugueses concentraram-se em vilas e cidades específicas”, explica Marcelo Borges, no artigo já referido. E exemplifica: “Há muitos casos de concentração regional e a formação de comunidades imigrantes distintas entre os portugueses na Argentina. Por exemplo, os provenientes da Guarda eram produtores de vegetais nas imediações de Buenos Aires, bem como trabalhadores braçais e agricultores nas zonas rurais de Salliqueló e Casbas (em Buenos Aires oeste); os de Leiria trabalhavam nas indústrias mineiras e de cimento, em Olavarría (nas colinas centrais de Buenos Aires); os de Viana do Castelo e Braga tornaram-se fabricantes de tijolos nos subúrbios da capital; os do Algarve trabalhavam como produtores de flores e vegetais em torno de Buenos Aires e na capital provincial de La Plata, e como trabalhadores na indústria do petróleo na Patagónia Central.”

A Patagónia em 1916. A região fio o destino de muitos algarvios BAILEY WILLIS/NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY/CORBIS

A história que Alejandra Inés Marques conta no livro, sobre o avô, é o exemplo de como funcionavam as redes familiares. Viriato Marques nasceu a 20 de Junho de 1903 em Vale de Igreja, freguesia de Paranhos, Seia. O bebé nasce em Seia porque a mãe, que emigrara para o Brasil com o marido, decide voltar a casa, “para que o seu primogénito nasça em Portugal”, conta Alejandra.

Viriato perde os pais e depois de uma infância e adolescência duras, sem ir à escola e trabalhando como pastor, chega a Buenos Aires a 10 de Fevereiro de 1923. “Não chega ali por acaso, mas porque dois dos seus primos, Manuel e António, filhos de Bernardo Marques, já haviam emigrado para a Argentina e estavam instalados em Comodoro Rivadavia, província de Chubut. Manuel foi quem o reclamou a Portugal”, conta.

Em busca de uma vida melhor, os portugueses partiam para a Argentina com a intenção de ganhar dinheiro e regressar a casa. Alguns voltaram a Portugal, mais do que uma vez, mas, no Portugal Querido de Mário dos Santos Lopes, são poucos os que ficam na terra onde nasceram. A maioria acaba por regressar à Argentina, chamando, mais tarde, a família e fixando-se definitivamente do outro lado do Atlântico. Foi assim com José Correia da Silva, também de Paranhos, em Seia.

Com 17 anos, “corria o ano de 1922”, José recebe uma carta de chamada do pai, que já emigrara para a Argentina e arranjara trabalho para o filho “levando verduras para o mercado Abasto, em Buenos Aires”. O neto, José António de Albuquerque, explica o que aconteceu depois: “Anos mais tarde, em 1937, José, com 32 anos, regressa a Portugal. Tinha saudades dos costumes, das pessoas, dos afectos — saudades… — e nesse regresso conheceu uma bonita mulher. Maria, de 22 anos, órfã, trabalhava como criada de uma família.”

Ao fim de apenas 18 dias de namoro, José e Maria casaram-se e, meses depois, ele regressava à Argentina, deixando a mulher grávida. “José trabalhou e trabalhou até poder mandar uma carta de chamada para a sua Maria, que veio com a filha de dois, que José só conheceu quando chegou a Buenos Aires.”

O regresso a Portugal para casar era normal, mas mais normal ainda eram os casamentos por procuração, como aconteceu com os pais de Cecília Madeira (ele deixou a noiva em Portugal e só a veria sete anos depois, já casados por procuração) ou com os avós de Gisele Sousa Dias, a quem o pai, Fernando Sousa Dias, contou: “A minha mãe tinha 29 anos quando se casou e o meu pai 17 anos mais do que ela. O meu pai recebeu uma mulher que não conhecia porque ela era portuguesa e a sua cultura dizia que esse era um requisito indispensável.” E, depois, também havia os casos em que os homens que partiam à frente acabavam por constituir novas famílias. E aqueles para quem a Argentina foi um gosto adquirido a custo, a quem as saudades de Portugal atormentavam. Ana Maria Borges Diniz conta o quanto custou ao pai nacionalizar-se argentino, para poder exercer um emprego no Estado. “Para ele, foi muito traumático renunciar à cidadania portuguesa, porque, apesar de ter emigrado muito jovem, nunca perdera o sotaque e os costumes da sua terra [Vila Franca da Beira, em Oliveira do Hospital]. Ele foi um daqueles portugueses que deixaram a alma na sua aldeia natal… Falava de Portugal e acendia-se-lhe o coração. Todas as histórias que ouvíamos na infância decorriam ali e, na nossa imaginação, Portugal era o país das maravilhas”, descreve no livro de Mário dos Santos Lopes.

Os irmãos Victor, Andrea e Mário Lopes DR

Mário diz que a construção desta obra o ajudou a perceber melhor os homens e mulheres que deixaram Portugal para criar uma nova vida na Argentina. “Quando se começa um livro, como autor ou como leitor, nunca sabemos exactamente quem seremos ao terminá-lo. É como quem comete um delito: deixa-se algo e leva-se algo. Eu ganhei uma enorme riqueza ao conhecer experiências muito diversas, a dor suprema do desenraizamento somado à falta de comunicação com a família que ficava para trás, tão longe, e a sensação de que não regressariam mais a casa. Valorizei, e sei que o mesmo aconteceu com os leitores, o sacrifício e a resignação do imigrante que vive nos piores lugares, aceita os piores empregos, a tentar passar despercebido para não ser marginalizado ou maltratado, apesar de a Argentina ter sido um país de portas abertas para todo o mundo”, refere.

A mãe, Maria Luiza, foi a primeira leitora de Portugal Querido. “Ela emocionou-se, riu-se e voltou a lê-lo. Se ela o aprovou, metade do que queríamos alcançar está cumprido. Agora temos de esperar que os pais, avós, filhos e netos de outros imigrantes o leiam. Eles serão os nossos melhores juízes.” O jornalista, que dirige o semanário El Orden e conduz o programa de rádio Deseado Revista, diz que gostaria de ver a obra traduzida para português, mas que isso só se tornará realidade se alguém o quiser editar, já que não pode arcar com os custos de uma edição de autor além-fronteiras.

Nessa caso, também em português se poderia conhecer a história do homem que escalou, em 1936, o monte Tronador, e foi recebido, no regresso, com uma banda de música e uma bandeira argentina, apesar de ser português; do sapateiro Joaquim, agraciado pelo município de Comodoro, como homem “admirado” pelos seus pares; do português do Tigre, que tinha um barco onde nunca navegou e que serviu de inspiração a um fado; de Amândio, “o titã português”, estrela dos espectáculos de luta livre, nos anos 70; ou do próprio Mário e dos seus pais e irmãos.

O autor conta que a sua infância “teve aromas a ‘feijão careto’, filhós e rabanadas, saborosas e irrepetíveis rabanadas que não apareciam à mesa muitas vezes, e que seguramente por isso eram duplamente saborosas”. Mário recorda-se de ouvir o pai cantar Lisboa não sejas francesa, tu és portuguesa, tu és só para nós, misturada com músicas argentinas, e de a mãe lhe ensinar o Pai Nosso em português, enquanto ele crescia aprendendo os nomes das coisas em duas línguas. Na família Lopes, repetiu-se a história de outros portugueses. António, o pai de Mário, Victor e Andrea, regressou a Portugal depois de uma incursão na Argentina, com o sonho de permanecer na sua terra natal, mas acabaria por emigrar de novo, por não conseguir cá condições suficientes para viver como queria. Mas o regresso temporário a casa permitiu-lhe conhecer Maria Luiza e casar-se. Os dois estiveram separados um ano, antes de a mãe de Mário se juntar ao marido, em Buenos Aires.

Na Argentina, os pratos tradicionais, os clubes onde se reproduziam (e reproduzem) “corridinhos” e “viras minhotos” e os programas de rádio dedicados ao fado ajudam ainda a matar saudades de casa aos cerca de 17 mil cidadãos portugueses que estão inscritos na Embaixada Portuguesa, em Buenos Aires. O livro Português Querido é mais um passo nessa ponte entre os dois países. Para que não se percam as histórias de todos os que, um dia, escolheram a distante Argentina para começar uma nova vida. Uma e outra vez.

 

Recebido via email

Noticia do Público    

22
Set14

LIvro - Portugal Querido

olhar para o mundo
Portugal Querido
Portugal Querido
Autor y recopilador: Mario dos Santos Lopes. Ediciones culturales El Orden, 2014. 260 páginas
E-mail: lusodescendientes@yahoo.com.ar

Primer libro que se publica en Argentina con historias reales de inmigrantes portugueses y lusodescendientes.

Recopilación de mas de ciento ochenta testimonios que reflejan la cultura y las costumbres portuguesas y su ensamble con otras culturas y otras historias, en Argentina, Uruguay, Venezuela, Colombia, Chile, Francia y otros países.

La periodista Norma Morandini narra su exilio en tierras lusitanas. "Puedo decir que renací en Portugal", afirma en un artículo escrito especialmente para Portugal Querido.

Hipólito Solari Yrigoyen escribe con memoria y corazón sobre su afecto y admiración hacia el pueblo portugués.

Karina Beorlegui, Almalusa, Fadeiros, Mariana Accinelli, Fadangos, Ainda Fadoy otros aportan sus observaciones sobre el movimiento del fado -en varios casos hermanado con el tango- en Buenos Aires, Mendoza, Córdoba y otras ciudades.

El legendario Héctor Peres Pícaro, aquel rudo luchador de la troupe de Karadagián conocido como El Vikingo y la bella Carmen Yazalde, la cantante Tormenta, el actor Jorge Luz, el escritor Jorge Luis Borges y hasta el inventor del teléfono, John Phillip Reis, revelan su origen lusitano en este libro del periodista y docente Mario dos Santos Lopes.

La conmovedora gesta de Aristides de Sousa Mendes, conocido como "el Schindler portugués", el cónsul que salvó 18.000 vidas con su lapicera en 1940 y la memoria del portugués Juan Bautista Rocha, en Río Gallegos, el récord de Joaquim, el zapatero más antiguo de Comodoro Rivadavia y la memoria de aquellas niñas que lloraban durante todo el largo viaje en barco desde Lisboa a Buenos Aires son algunos de los puntos destacados de esta obra.

En sus páginas aparece, contada en primera persona, la vida durísima de los hasta ahora anónimos que buscaron un futuro promisorio en los hornos de ladrillos, las quintas, la herrería, los ferrocarriles,  las explotaciones petroleras de la Patagonia y los comercios barriales. Y José María Amado, el médico solidario que integra la colectividad lusa más austral del mundo, en Comodoro Rivadavia, y el periodista luso-venezolano Jean Carlos de Abreu, entre tantos que relatan sus vivencias, diferentes y parecidas.

Memorias sensoriales de infancias con aromas de comidas típicas, fados y "corridinhos", alguna canción de Fernando Rabih (del grupo La Surca), se cruzan con la presencia de O Santos, gastrónomo de visitantes internacionales en Macao y la presencia de Pilar, la esposa del Premio Nobel José Saramago.

Los lazos históricos entre Argentina y Portugal, la vida del ilustre matemático Antonio Monteiro y su hijo, el pintor del mismo nombre radicado en Córdoba, los catorce programas de radio en Argentina que reflejan musicalmente la nostalgia de los inmigrantes, las instituciones comunitarias en distintos puntos de nuestro país, la dura faena de Joaquim Campina con el único periódico en papel -el Jornal Portugués- y los sentimientos de aquellos que nunca lograron regresar a la patria lejana también son parte de las emociones que recorren las páginas del libro.

Portugal Querido se presentará en el salón Monseñor Derisi de la Universidad Católica Argentina el jueves 25 de septiembre a las 18, con la colaboración del Programa de Investigación Geográfico Político Patagónico (PIGPP). Posteriormente se dará a conocer en Mendoza, Montevideo y Comodoro Rivadavia.

Para más detalles y consultas, dirigirse a lusodescendientes@yahoo.com.ar
25
Jan14

Dezasseis escritores portugueses no Festival Literário de Castelo Branco

olhar para o mundo
Dezasseis escritores portugueses no Festival Literário de Castelo Branco
O 2.º Festival Literário de Castelo Branco vai juntar, entre os dias 05 e 07 de Fevereiro, 16 escritores portugueses em encontros com os alunos dos agrupamentos de escolas daquele concelho e com a Universidade Sénior Albicastrense (Usalbi).

"A dinâmica desta segunda edição vai ser a mesma da primeira, porque se a dinâmica criada funcionou, vai continuar", disse hoje à agência Lusa o comissário do Festival Literário de Castelo Branco.

 

José Pires explicou que as grandes alterações para esta segunda edição do festival estão no número de escritores presentes, que se reduziu de 23 para 16, e também no número de dias, que passou de quatro para três dias.

 

"O motivo desta redução foi o de não deixar de realizar o festival, apesar do momento de crise em que se vive. Aquilo que foi feito na primeira edição, com 23 autores em quatro dias, este ano vamos fazer com 16 escritores, em três dias. A média acaba por ser quase superior", referiu.

 

As expectativas para o 2.º Festival Literário de Castelo Branco mantêm-se face ao êxito alcançado no ano passado, disse ainda.

 

José Pires disse também que "a participação do público na primeira edição surpreendeu"

 

"Acho que se conseguirmos ter o mesmo nível de participações que tivemos é muito bom", explicou.

 

Este ano, a aposta em escritores locais continua, com a presença de seis albicastrenses, e o festival volta a ter como público primordial a população escolar, não impedindo, contudo, a realização de encontros abertos a toda a comunidade.

 

Durante os três dias do festival, as oito escolas dos quatro agrupamentos de escolas do concelho de Castelo Branco vão receber um total de 13 sessões, sendo outras quatro abertas à comunidade.

 

Daniel Oliveira, Deana Barroqueiro, Fernando Dacosta, Gonçalo Salvado, Maria João Lopo de Carvalho e Maria Manuel Viana são alguns dos nomes que participam nesta segunda edição do festival, aos quais se junta novamente Afonso Cruz, que esteve presente no ano passado.

 

À Lusa, o presidente da Câmara de Castelo Branco disse que o objectivo principal do festival "é a promoção da leitura".

 

Luís Correia referiu ainda que durante os três dias "vão estar envolvidos 700 alunos dos quatro agrupamentos de escolas do concelho", além dos alunos da Usalbi.

 

O tema comum a todas as sessões nas escolas intitula-se "Escrever é um ato de rebeldia".

 

O 2.º Festival Literário de Castelo Branco inicia-se na vila de Alcains, no dia 05 de Fevereiro, pelas 21:00, e tem como convidados Florentino Beirão, Maria João Lopo de Carvalho e Maria Manuel Viana.

 

No dia 06 de Fevereiro, juntam-se André Letria, António Torrado e Fernando Dacosta, pelas 21:00, no Cine-Teatro Avenida.

 

A última sessão decorre no dia 07 de Fevereiro, pelas 21:00, no Cine-Teatro Avenida, e junta Afonso Cruz, Daniel Oliveira e Fernando Paulouro.

Tal como no ano passado, todas as sessões são antecedidas de um momento cultural.

 

O festival é promovido pela Câmara de Castelo Branco, que voltou a entregar a produção à Booktailors.

26
Nov13

Prémio APE de romance para Alexandra Lucas Coelho

olhar para o mundo

Alexandra Lucas Coelho é a vencedora do Prémio APE de Romance e Novela 2012, com E A Noite Roda (ed. Tinta-da-China), atribuído, por unanimidade, por um júri composto por José Correia Tavares, Ana Marques Gastão, Clara Rocha, Isabel Cristina Rodrigues, Luís Mourão e Manuel Gusmão.


Jornalista e autora de vários livros de reportagens e viagens (Viva México, Caderno Afegão, Oriente Próximo e Tahrir! – Os Dias da Revolução), foi com E A Noite Roda, uma história de amor entre uma jornalista catalã e um jornalista belga de origem italiana, que Alexandra Lucas Coelho se estreou na ficção, num romance cuja acção percorre várias geografias, desde Jerusalém à Catalunha.

 

No valor de 15 mil euros, ao longo de 31 anos este prémio já distinguiu 27 autores, como António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Gonçalo M. Tavares. De acordo com a Associação Portuguesa de Escritores, nesta edição registou-se uma das mais altas participações de sempre: foram admitidas a concurso 80 obras (escritas por 52 homens e 28 mulheres).

 

Eram finalistas, além de Alexandra Lucas Coelho, Afonso Cruz (com Jesus Cristo Bebia Cerveja), Jaime Rocha (com A Rapariga Sem Carne), Mário de Carvalho (com O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel) e Patrícia Portela (com O Banquete).

 

Retirado do Sol

01
Nov13

Maratona literária propõe escrever livro durante o mês de Novembro

olhar para o mundo

Maratona literária propõe escrever livro durante o mês de Novembro

Durante todo o mês de Novembro, os participantes do NaNoWriMo (Mês Nacional para Escrever Romances) têm como desafio criar uma obra inédita de ficção com ao menos 50 mil palavras.

 

Para "vencer" o desafio, é preciso chegar à meta de palavras e enviar o texto no site do evento. O conteúdo das obras não é avaliado e é possível escrever em qualquer idioma, noticiou o Folha de S. Paulo.

 

Entre os livros criados a partir do evento, o título mais célebre é o romance "Água para Elefantes", de Sara Gruen, que figurou na lista dos mais vendidos no "New York Times" em 2011 e recebeu uma adaptação para o cinema. A edição deste ano conta com quase 200 mil inscritos.

O brasileiro Fernando Aires revelou que conheceu o evento em 2009, pelo blog do escritor Neil Gaiman, notório apoiador da iniciativa. "Livro é uma daquelas coisas que as pessoas dizem que vão fazer e nunca fazem", disse.

 

Para ele, o maior atractivo do evento é seu carácter não competitivo. "Não nos preocupamos em escrever melhor que os outros", explicou.

 

Durante o mês de Novembro, Fernando planeia escrever hora e meia a duas horas por dia.

 

REBELDES


No ano passado, Fernando foi um NaNoRebel - como é chamado quem burla alguma regra - e continuou a história que havia escrito em 2009.

 

Os Rebels, afirmou, são bem aceitos pelos participantes. "Uma vez um participante propôs escrever 50 mil palavras em forma de poemas", afirmou.

 

O artista plástico Maurício Piza de 56 anos, também foi um Rebel em 2012, quando voltou a um texto antigo para preencher lacunas narrativas. Veterano no evento, orgulha-se de sempre ter alcançado a meta do mês e diz que os dois primeiros anos foram mais difíceis, devido à falta de prática.

 

Para Maurício, o ideal da obra muitas vezes impede sua concretização. "Eu descobri que para aprender uma área tenho que fazer muito daquilo."

 

Referiu também que o evento desperta nos participantes "a disciplina de sentar e fazer e não ter autocensura".

 

"É uma óptima forma de começar a escrever. Não ficar a pensar na qualidade deixa-me mais tranquilo", disse.

 

Para o artista, a companhia, os palpites e as sugestões de outros participantes são essenciais. "Tem sempre alguém que diz: `Descreve o pôr do sol´, e lembramo-nos de descrever melhor o seu cenário".

 

Retirado do HardMúsica

31
Out13

Contos de Thomas Mann: Testazinhas de gente

olhar para o mundo
Nos contos de Thomas Mann, o que é íntimo e bizarro torna-se universal.
O crítico Harold Bloom chamou-lhe “ironia humanista”, qualidade hoje injustiçada, mas que fez do alemão Thomas Mann (1875-1955, Nobel da Literatura 1929) “o grande escritor derradeiro a emergir de Goethe”. Mann não é um autor actual. Nem na inteligência soberba, nem na minúcia das descrições, nem na profundidade especulativa, nem na lentidão escorrida da acção, nem no fundo eminentemente moral e idealista. Ainda bem. Para quem o lê pela primeira vez, aconselham-se as antologias de contos, como esta acabada de sair pela Bertrand e que relança, aumentando-a em um conto, uma edição da Ulisseia datada de 2007.

Nas 17 histórias propostas, destacam-se a estranheza, a feiura, a alienação ou a disfunção das personagens para questionar os valores burgueses. O tema (autobiográfico) é o confronto entre a liberdade individual ou artística e as convenções instituídas, sendo que estas últimas, ainda que postas em causa com acuidade e sarcasmo, não deixam de simbolizar a estabilidade e o conforto. É o caso de O Pequeno Senhor Friedemann (1896), onde um deficiente físico culto e socialmente bem posicionado crê poder proteger-se do desejo através da elevação estética, mas acaba vítima de uma mulher casada e da crueldade mais rasteira.

 

A antologia inclui vários marcos de talento contístico. O Menino Prodígio (1903) apresenta-nos o grego Bibi Saccellaphylaccas, compositor e intérprete precoce, um “fedelhozito versado” e deformadamente narcísico. Uma das suas actuações é relatada através da justaposição da postura e reflexões do músico e das impressões do público. O conto ilustra a complexidade dos narradores de Mann, cuja posição indefinida resulta, nas cenas e quadros sociais, numa voz cínica e afastada, mas capaz de se mover como uma incisão “nas testazinhas de gente”.

 

Hora Difícil (1905) complementa um ensaio dedicado a Schiller, poeta e intelectual alemão que Mann sempre admirou. Aqui, o narrador serve o retrato da enormidade das ambições e frustrações mais íntimas de um escritor. Numa noite de angústia frente a um manuscrito, revelam-se os seus temores perante a acomodação burguesa, a doença ou o fracasso. E ele pergunta, como um possível alter ego de Mann: “Não seria o próprio talento, dor?”

 

retirado do Sol

28
Out13

Lobo Antunes, uma estrela no Centro Cultural de Belém

olhar para o mundo

Lobo Antunes, uma estrela no Centro Cultural de Belém


Lobo Antunes, uma estrela no Centro Cultural de Belém

No Centro Cultural de Belém teve lugar na tarde ensolarada de 27 de Outubro um encontro com o escritor António Lobo Antunes no âmbito do programa Humanidades.

 

A sessão abriu com duas intervenções muito curtas do presidente do Centro Cultural de Belém, Vasco Graça Moura, e do representante do parceiro na realização dos encontros “Humanidades”, Guilherme de Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura.

 

Nesta sessão de revisitação da obra de António Lobo Antunes houve a possibilidade de ouvir Maria Alzira Seixo, Agripina Carriço Vieira, Norberto do Vale Cardoso e Ana Paula Arnaut  numa análise conhecedora e bem estruturada da escrita de Lobo Antunes.

 

Maria Alzira Seixo dissertou sobre a “imagística do fogo” no romance de António Lobo Antunes numa intervenção demasiado longa e utilizando linguagem demasiado hermética para um público que, na sua maioria, não faz da análise literária o seu trabalho diário.

 

A intervenção de Agripina Carriço Vieira, que versava o tema “…a religiosidade na ficção de António Lobo Antunes” foi elucidativa do tema, escrita de uma forma divertida, a mesma que o escritor utiliza quando foca o tema em questão.

 

Norberto do Vale Cardoso falou sobre as sombras e as luzes que permanentemente as iluminam e dissipam nos escritos de Lobo Antunes criando espaços de penumbra que fazem adivinhar a luz que ilumina as trevas.

Ana Paula Arnaut trouxe-nos a sua visão sobre o equilíbrio de Lobo Antunes na fronteira da escrita subversiva e do post modernismo. Ele está no fio da navalha!

A segunda parte desta sessão foi ocupada com as intervenções de leitores de Lobo Antunes sobre a obra e sobretudo sobre o temperamento do escritor.

Maria Rueff fez uma declaração apaixonada e muito emocionada sobre o seu primeiro encontro com o escritor e leu um poema que por pouco não a levou às lágrimas.

 

Harrie Lemmens, tradutor holandês de obras de Lobo Antunes, falou do seu orgulho por ter sido o primeiro tradutor a verter em holandês algumas obras do escritor. 


Nesta sua análise foi salientando que no decorrer das suas traduções foi sentindo “o rumor dos passos” que se vão ouvindo ou sentindo quando lemos Lobo Antunes, e que vão marcando a sua temática.

Bento Domingues, o frade dominicano que nos habituámos a ver e a ouvir falou das perspectivas religiosas de Lobo Antunes e lembrando que ele diz: “não sei como foi aconteceu”, quando escreve um livro que por norma tem sido um êxito.


A sessão terminou com uma curtíssima intervenção de António Lobo Antunes, que para além de agradecer a presença de muitos, o Pequeno Auditório estava cheio, e de lembrar que para ele ser escritor não é um prazer é uma obrigação sem a qual não conseguiria viver.

 

Retirado do HardMúsica

22
Set13

Quando Calouste é Kaloust a sua vida romanesca dá um romance

olhar para o mundo

Quando Calouste é Kaloust a sua vida romanesca dá um romance


José Rodrigues dos Santos editou o seu 11.º romance sobre Gulbenkian

 

O Homem de Constantinopla é o primeiro romance sobre Gulbenkian. José Rodrigues dos Santos imaginou a vida do filantropo e mostra como era um dos homens mais ricos do mundo. Mas é ficção

 

Quando Calouste Sarkis Gulbenkian morreu, em 1955, a revista norte-americana Time, no obituário a que deu o título Oil: Mr. 5%, atribuía-lhe uma frase que se poderia constituir como o traço de uma personalidade: "Tenho apenas um amigo e o seu nome é solidão." A história do homem que, com a fundação criada no ano seguinte teria um papel decisivo na cultura e na ciência em Portugal, foi agora romanceada por um dos autores portugueses que mais vendem, o jornalista José Rodrigues dos Santos.

 

A história de Gulbenkian não é completamente desconhecida, nem os detalhes sobre um perfil de excentricidade são uma novidade, mas o romance, que se apresenta dividido em dois volumes - O Homem de Constantinopla, lançado ontem em Lisboa e que segue o "rapaz mais esperto de Trebidonza", na velha Turquia, até se transformar no "senhor 5%", já em Londres; o segundo, Um Milionário em Lisboa, que dá mais atenção à criação da fundação, só sairá em Novembro - é a tentativa de "usar a ficção para nos ajudar a compreender Calouste", diz Rodrigues dos Santos ao PÚBLICO. "Mas o veículo que corporiza essa compreensão não é Calouste, é Kaloust", sublinha, antecipando eventuais críticas dos que venham a ler este romance como um relato factual da vida do maior filantropo do país. Os dois volumes são obra de "um romancista e não de um biógrafo", insistiu, e o seu protagonista é apenas "uma figura de ficção inspirada em Calouste Gulbenkian [1869-1955]".

 

Por isso, explica, não consultou arquivos, baseando a investigação, "sobretudo, em matéria biográfica já publicada e numa conversa que [teve] com o filho de Azeredo Perdigão". Falar com os descendentes do milionário arménio nascido em Istambul que escolheu deixar a Portugal boa parte da sua fortuna e da sua riquíssima colecção de arte foi uma hipótese que pôs de lado depois de "contactos indirectos através dos quais [foi] informado de que a família Gulbenkian desencoraja[va] qualquer investigação em torno de Calouste".

 

Contactada pelo PÚBLICO a Fundação informou, contudo, que os dois membros da família que pertenceram ao conselho de administração, Mikhael Essayan, o filho, e Martin Essayan, neto, não foram contactados. Na apresentação de ontem, na Sociedade de Geografia, esteve um sobrinho-neto, Mikaël Gulbenkian, que Rodrigues dos Santos contactou há dias e que leu no livro "uma homenagem extraordinária ao filho de Gulbenkian, Nubar, uma figura muito injustiçada neste país, e também um homem brilhante".

 

Nubar, que no livro dá pelo nome de Krikor, é chamado a Lisboa quando o pai está quase moribundo e encontra nos seus papéis dois volumes intitulados Um Homem em Constantinopla Um Milionário em Lisboa, que lhe dão conta da vida e do modo como Kaloust construiu o seu império.

 

De certa forma, Rodrigues dos Santos emula assim o gesto que Nubar teve ao passar a Ralph Hewins as memórias do pai, até agora inéditas, que estariam na base de O Senhor Cinco Por Cento, uma biografia que a fundação não reconhece como oficial e que foi editada em 1957 em Inglaterra (em português existe apenas desde 2009, com a chancela da Texto). É fácil reconhecer no primeiro volume do romance, que termina com o início da Primeira Guerra Mundial, quando o filantropo que enriqueceu com o comércio mundial de petróleo tinha 45 anos, muita da informação que Hewins avança, no que toca à vida particular de Gulbenkian, mas também aos negócios.

 

No lançamento de ontem o autor falou da forma como a fundação foi criada, tema que aparece no segundo volume, explicando que "a razão pela qual Gulbenkian trouxe a fundação para Portugal foi para não pagar impostos", acrescentando que vivia num hotel, o Aviz, "também para fugir ao fisco". De fora da apresentação ficaram, compreensivelmente, temas que se adivinham polémicos, como "o problema da corrupção" e o facto de, como disse ao PÚBLICO o escritor, "Gulbenkian ter sempre uma menina menor à sua disposição". Estas e outras questões são também abordadas pelo autor britânico Ralph Hewins, que teve acesso às memórias de Gulbenkian e a Nubar para escrever O Senhor Cinco por Cento, mas em cuja obra o académico Jonathan Conlin não confia: "[É uma biografia] inexacta, até nos elementos mais básicos", garantiu por email.

 

Conlin, da Universidade de Southahampton, dirige uma equipa de investigadores que entre 2018 e 2019 lançará, nos 150 anos do nascimento de Gulbenkian, uma biografia que, diz, "será a primeira baseada nas fontes em arquivo".

 

Os interesses de Gulbenkian, explica o coordenador, "espalharam-se pelo mundo e qualquer biógrafo que lhe queira fazer justiça necessita, naturalmente, de consultar os arquivos, tanto os privados como os públicos, os das empresas e os de Estado, numa diversidade de países, dos Estados Unidos a Inglaterra, de França e Portugal à Turquia e Rússia". O material a ter em consideração é vasto, sublinha, acrescentando que não seria possível trabalhá-lo sem a ajuda de uma equipa ou o apoio da universidade e da Fundação, que financiou a iniciativa da universidade em 300 mil libras (355 mil euros) e abriu os seus arquivos, não tendo contudo, salientou o autor e confirmou a Fundação, qualquer controlo sobre o resultado final.

 

Definitivamente ficção?

 

Mas a questão que o romance de Rodrigues dos Santos coloca é de outra ordem, porque, não se cansa de sublinhar, o autor não tem nenhum compromisso com o rigor, embora reconheça partir de factos. A ficção serve-lhe sobretudo, explica, para dar vida a acontecimentos históricos e "preencher as lacunas" de discurso não ficcional, "muito espartilhado por hipóteses e documentação". "O poder da ficção", entre outros, é o de permitir "partilhar experiências": "De repente não estamos no comboio a ir para o trabalho, estamos a ver Kaloust Sarkisian a viajar no Expresso do Oriente, a atravessar o Bósforo, a seduzir a filha do banqueiro ou a fechar o negócio que fará dele o homem mais rico do mundo."

 

Com 50 mil exemplares lançados ontem no mercado, O Homem de Constantinopla apresenta-se como um fresco sobre um milionário que até ao fim da vida quis responder a uma pergunta: "O que é a beleza?"

 

Kaloust dirá a Madame Duprés, o que o autor imagina (e escreve) que Calouste terá dito a Elize, sua secretária: "A menina que actualmente ocupa a minha suite já completou 18 anos. O seu prazo de validade está esgotado. Quando eu regressar de Londres, faça o favor de a dispensar." Duprés oferecer-lhe-á dez mil francos, "o habitual", até Kaloust lhe dizer: "Esta manhã fui tomar o pequeno-almoço ao Procope e reparei numa empregada novinha que eles agora lá têm. [...] Fale com ela e prepare-a como de costume... Flores, jóias da Cartier e tudo o resto!"

Ralph Hewins escreve que "um dos deveres [de Elize Soulas] era tratar do embelezamento da matéria prima de Gulbenkian. Por vezes, ele avistava uma rapariga simples num café, ou até na rua, e decidia imediatamente que ela tinha estofo de obra de arte". E Francisco Corrêa Guedes, autor de outra biografia do filantropo arménio (Calouste Gulbenkian, Uma Reconstituição, Gradiva, 1992) descreve que Gulbenkian "exigia que entre as recrutadas estivessem obrigatória e permanentemente jovens com idade inferior a 17-18 anos".

 

No romance episódios como este são frequentes e Rodrigues dos Santos diz que teve "o cuidado de os inserir no contexto da época e da mentalidade então dominante". São, acrescenta, "coisas moral e eticamente complicadas", porém, "naquele tempo eram encaradas como normais". Basta dizer que, em 1892, Calouste se casou, aos 23 anos, com Nevarte, então com 17, depois de vários anos de corte.

 

A mesma distância de época é precisa para lidar com o modo Gulbenkian aprendeu a negociar, baseando-se no pagamento de subornos, prática que Rodrigues dos Santos diz ter sido "corrente no Império Otomano", sem "a carga negativa que hoje lhe é associada".

 

Não seria preciso que o autor escrevesse que "a vontade de negociar era, em Kaloust, um instinto". "Ele tinha o espírito mais fascinante e mais poderoso também que alguma vez tinha encontrado. Era uma experiência mágica vê-lo trabalhar num problema e vê-lo chegar à solução", disse a Corrêa Guedes o curador Kenneth Clark, a propósito de Calouste Gulbenkian. Clark, que foi director da National Gallery entre 1933 e 1945, é uma personagem no romance e apresentado como o homem que explicará a Kaloust "o que é a beleza". Num diálogo decorrido em frente à pintura Os Embaixadores, de Holbein, Rodrigues dos Santos sugere que uma conversa com o curador terá ajudado à definição: "A arte é uma forma complexa de cultura." Em Uma Reconstituição é o próprio Kenneth Clark que responde ao biógrafo Corrêa Guedes "que costumava conversar horas a fio" com Gulbenkian.

 

Para Rodrigues dos Santos, "há pormenores da vida pessoal, e em particular da vida sexual, que fazem parte da dimensão humana mas que estão naturalmente ausentes da documentação. [...] Quase tudo teve de ser romanceado: diálogos, situações, negócios. Claro que sei que essas situações e esses negócios ocorreram, há registo deles, mas a ficção tem de lhes dar vida."

 

Retirado do Público

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